domingo, 24 de outubro de 2010

Servir, verbo intransitivo

Decidi não mais servir e sereis livre (LA BOÉTIE).
Servir, verbo intransitivo. Função sintática atribuída ao verbo que, em muitas situações, exige transição: de um lado os que são forçados à obediência, pois nem sempre podem ser os mais fortes e, de outro, os tiranos, cada vez mais dispostos a tudo aniquilar e destruir. Contudo, não é necessário combatê-lo, muito menos dele defender-se, pois ele se aniquila por si, desde que não consintamos com a servidão. “Não se trata de lhe arrancar nada, mas apenas de nada lhe dar” (LA BOÉTIE).
Por outro lado, ainda sob o mesmo enfoque, a escola em muito contribui para a servidão voluntária, tanto de seus professores, quanto de seus alunos, porém servir é uma questão de estar sujeito a. Em muitas situações, a servidão está no fato não de sermos impedidos de fazer, mas sermos obrigados a fazer.
Enquanto educadores exercemos poder através de nossas ações e apreensões que adquirimos no ambiente escolar, no qual construímos e fazemos evoluir um sistema teórico que expressa necessidades. A palavra muitas vezes se põe a serviço desse poder. Entendemos como poder tudo aquilo que se compreende a mais quando se tenta deslocar os limites dos poderes.   
O poder está na transformação e reside no processo de transformação da realidade de modo diferente. Aí reside o papel do educador em relação ao aluno (e vice-versa, por que não?): proporcionar estes momentos de observação e reflexão de si e do mundo.
Deixamos de ser servos a partir do momento em que deixamos de adular o tirano, não permitindo o embrutecimento, para compartilharmos saberes. Estes residem, também, na observação e são o resultado dela. Precisamos estar atentos a tudo o que nos cerca. Ajudar o nosso aluno a adquirir poder e construir saberes significa associá-lo a um esforço coletivo de compreensão da situação na qual ele e todos nós estamos.
Vejo que o embrutecimento favorece a servidão. Mudaremos este quadro a partir do momento em que passarmos a fabricar saberes. Inventamos saberes quando nos damos conta dos fatos e os compreendemos: procurando fazer com que seja outro o faz ser o que é. O saber é um processo de transformação e sua natureza se define pela própria natureza da transformação.
Nas palavras de La Boétie, “é o povo que se sujeita e se degola; que, podendo escolher entre ser súdito ou ser livre rejeita a liberdade e aceita o jugo, que consente seu mal, ou melhor, persegue-o”. Assim vejo a tirania do pedagógico. Não permitamos ser súditos. Sejamos livres. A promoção coletiva opõe-se ao sucesso individual, à tirania de poucos.
 A liberdade reside na afirmação do direito que cada um tem de pretender a emancipação. “Decidi não mais servir e sereis livre” (LA BOÉTIE), uma vez sendo intransitivo o verbo servir, não há relação de dependência, não há solidificação entre a relação servo-tirano; logo, não há mais relação.

Um comentário: